Por Marcos Barreto (*)
Como em todas as greves, desde 1980, quando ainda sob a ditadura militar, o movimento docente iniciava a organização de um sindicato de bases nacionais, conhecemos os debates a favor e contra a deflagração de uma greve, travados em assembléias, reuniões, corredores e salas de aulas.
As 14 greves sustentadas pelo Andes - Sindicato Nacional, quatro contra os governos militares, duas contra o governo Sarney, três durante governo seguinte de Collor/Itamar, outras três na era FHC, e agora na segunda greve contra o governo Lula, parecem indicar que a despeito de divergências e polêmicas sobre o recurso à greve nas diferentes conjunturas enfrentadas, têm prevalecido as avaliações políticas de que as greves têm sido necessárias para a defesa de uma carreira única e isonômica em todas as Ifes, de reajustes que recomponham perdas salariais, de concursos públicos para novos professores, de incorporação das gratificações e fundamentalmente de uma universidade pública, gratuita e de qualidade.
No entanto, tem crescido nos últimos anos uma resistência da parte de muitos docentes em aderirem aos movimentos grevistas, evocando uma improdutividade das mesmas, invariavelmente longas (superiores a 60 dias se tomarmos a duração média das 13 passadas) e com resultados pequenos ou nulos, segundo aqueles que parecem ter olhos apenas para as conquistas propriamente salariais.
Segundo estas avaliações, portanto, as greves trazem mais prejuízos do que vitórias, na medida em que pagamos um pesado ônus com as reposições de aulas que atravessam os tradicionais períodos de férias, sem ganhos econômicos palpáveis. Parte dos alunos também se apropriam destes argumentos para combaterem o recurso à greve.
Tais vozes têm reivindicado a necessidade de outras formas de lutas que não as greves. Sem prejuízo de um debate sobre o repertório de lutas possíveis ao alcance de um sindicato, não devemos perder de vista que o último reajuste salarial significativo que obtivemos, de 85% escalonado, ocorreu por conta de uma greve de 31 dias em 1993, unificada com os demais servidores, portanto há 12 anos.
Se de lá para cá, não obtivemos reajustes salariais que nos protegessem contra o arrocho salarial imposto aos servidores docentes e técnicos das universidades públicas, como de resto a todo o funcionalismo público, como elemento de consolidação da agenda neoliberal em nosso país, em que pesem as últimas cinco greves (1994/98, 2000/01/03), dificilmente poderíamos inferir que abaixo-assinados, passeatas, manifestações, carreatas, paralisações datadas, ou qualquer forma de luta que conhecemos das tradições da cultura sindical, lograriam ter melhor sucesso, sem estarem associadas a um movimento grevista.
Essas greves, no entanto, não deveriam ser acusadas de improdutivas por não terem conseguido evitar as perdas salariais dos últimos 12 anos, pois cumpriram o papel político de evitar uma maior precarização das carreiras universitárias, seja quando a greve unificada de servidores públicos de 2000, da qual participamos em 31 universidades, conseguiu barrar o envio do projeto de emprego público do governo FHC ao Congresso, ou quando a greve de docentes, técnicos e estudantes de 51 Ifes no ano seguinte, conseguiu manter o Regime Jurídico Único, que ainda nos resguarda de uma maior fragmentação funcional. Do mesmo modo, as referidas greves, derrotadas em suas reivindicações salariais, conseguiram impedir o envio do projeto de autonomia universitária do MEC ao Legislativo (2000) e a abertura de duas mil vagas para docentes nas Ifes (2001).
Não se quer aqui realizar um extenso balanço das greves vividas, mas apenas considerar que avaliações de vitórias ou derrotas devem ser ponderadas segundo critérios econômicos, sociais e políticos, para evitarmos conclusões derrotistas e o conseqüente abandono da greve como alternativa de luta contra as investidas, que desde os anos 90, pretendem modificar o metabolismo do ensino superior público, cada vez menos financiado e garantido pelo Estado, cada vez mais colonizado pela lógica do mercado, com o crescente empresariamento de suas agendas acadêmicas, ao mesmo tempo em que assistimos no período a uma espetacular expansão da rede privada de ensino, hoje responsável por cerca de 70% da oferta de vagas no ensino superior.
Na presente greve, sustentada também por técnicos e estudantes, que conta até o momento com o apoio de docentes em mais de 20 Ifes, com uma pauta justa, combinando principalmente a exigência de reposição salarial (18%), com a abertura de concursos públicos e a incorporação das gratificações, vivemos, o que não chega a ser novidade, a oposição de setores docentes em relação ao movimento grevista, mas desta vez com maior agressividade e articulação.
Atacam não apenas a estratégia grevista assumida pela atual direção do Andes, mas o próprio sindicato, buscando questionar a legitimidade e a representatividade do mesmo, desqualificando a soberania das assembléias como instâncias de decisão do movimento e ameaçando inclusive com um movimento de desfiliação de docentes das sessões sindicais locais.
Não deixa de haver coerência neste gesto de "rebeldia", pois os mais aguerridos docentes que combatem a greve e o sindicato são exatamente aqueles mais envolvidos com os processos de mercantilização das atividades acadêmicas das universidades públicas, entusiastas da Reforma Universitária proposta pelo MEC, que promete dilapidar as últimas fronteiras que ainda separam interesses privados e públicos no contexto do sistema de ensino superior, para assumirem plenamente o papel de professores-empreendedores, captadores de recursos privados e vendedores de serviços, dependendo cada vez menos dos salários básicos.
Tendo sido derrotados nas últimas eleições para o Andes-SN, mesmo com apoio do atual governo, constituíram uma estranha organização (Proifes), que a despeito de não ter representação para tanto, tem sido recebida e mantido entendimentos com autoridades dos ministérios envolvidos com as demandas das universidades públicas.
Cumpre lembrar que segundo a lógica neoliberal, basta uma consulta aos documentos do Banco Mundial, a crise do ensino público nos chamados países "emergentes" ocorre em função dos vícios burocráticos e de má gestão, inerentes à estrutura estatal, sendo necessárias as reformas em curso para deslocar os serviços educacionais do viciado contexto estatal em direção da eficácia e produtividade comum nas práticas "livres" do mercado.
Assim a educação deixa de ser considerada um direito de cidadania e um dever de Estado para se constituir em serviço a ser adquirido por quem puder pagar. Segundo a mesma perspectiva, além da ineficiência estatal, os sindicatos tem sido apontados como inimigos da eficiência desejada, por abrigarem motivações corporativas e políticas anacrônicas e incompatíveis com a modernização da educação exigida nestes tempos de globalização.
Portanto, a defesa de uma universidade inspirada no mundo empresarial e o ataque aos sindicatos são gestos rigorosamente coerentes, que devem merecer nossa atenção, antes de descartarmos nossos sindicatos e suas estratégias de lutas.
Ou será que podemos nos dar ao luxo de sublimarmos a necessidade de uma estrutura sindical autônoma, em relação aos governos presentes e futuros, diante dos riscos de degradação democrática embutidos não apenas na Reforma Universitária, mas também nos projetos que pretendem reformar a legislação sindical e as leis trabalhistas, em prejuízo dos direitos consagrados pela Constituição de 88.
(*) Marcos Barreto é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
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